EFUSÃO #6: "É a alegria que libera cada um de si mesmo"
A frase acima, do sociólogo baiano Muniz Sodré, traduz a sensação maravilhosa de fechar os olhos no front da pista, sentindo cada som ecoar pelo corpo.
Créditos projeção: @projetemos | Conceito / movimento cultural criado por @nikkatze no terraço @central_1926.
Olá, coração efusivo, tudo bem?
Algumas novas pessoas chegaram por aqui recentemente, quando lancei o Calendário Cultural 2024. Para essas, vou me apresentar: me chamo Danilo Novais, sou pesquisador cultural, relações públicas e rolezeiro amante de música. haha
Nesta newsletter, você vai receber perspectivas sobre música eletrônica, vida noturna e arte. Uma seleção de rolezinhos, experiências sônicas, histórias e pesquisas sobre a cena musical do Brasil e do mundo. Se você curte esse universo: fica, vai ter bolo… de aniversário!
Vamos para mais uma edição?
Parece que foi ontem que a Voodoohop inaugurava um novo momento histórico na cidade de São Paulo. O ano de 2009 abriu portas para as festas de rua, a democratização e expansão da música eletrônica para além dos nichos elitistas, revitalizando Centro e região estendida com uma força cultural marcante.
A partir daquele ano, festas fundamentais para esse movimento surgiram, como Capslock, Mamba Negra, ODD, Selvagem, BLUM, entre outras. A BLUM, criada por Nicolli Penteado aka Nikkatze, nasceu em 2013 no icônico apartamento Trackers, localizado em um prédio no centro de SP. Com a ideia de oferecer um projeto visual e sonoro inovador, “a festa pode apresentar uma pista com sons mais densos, ou esbarrar em uma cama de pelúcia em um cenário maluco colorido, como um sonho de algum filme de David Lynch, ou até mesmo ir parar em uma conversa filosófica com os psicólogos da tenda de cura”, conta Nikkatze.
A BLUM celebra 10 anos neste sábado, 09 de dezembro, no Central 1926, em São Paulo. Bati um papo com Nicolli sobre a importância do rolê para a cidade e sobre os próximos passos do projeto.
Pegue sua bebida preferida, aperte o play no som a seguir e vem comigo!
120 batimentos por Arnaud Rebotini
A escolha do som dessa edição é um álbum trilha sonora, produzido pelo francês Arnaud Rebotini para o filme “120 battements par minute”.
Arnaud é um mestre da música eletrônica, mas não só. Em sua trajetória, já passeou por diversos gêneros (do death metal ao techno) e projetos musicais (Black Strobe), ou trilhas sonoras de longas maravilhosos como esse, dirigido por Robin Campillo. Esse disco é uma potência queer, construído com ritmos que passeiam pelas vertentes da house music e sons às vezes introspectivos, às vezes explosivos, que constroem uma atmosfera própria da pista LGBTQIAP+. Vale a audição :)
Aperte o play!
BLUM 10 anos: recordando o passado e analisando o presente
Nikkatze tem uma jornada artística múltipla, que vai da arte visual à DJ e compositora, tendo já colaborado com variadas festas na cena paulistana até conceber a sua própria, a BLUM.
Em 2023, a BLUM celebra um ciclo de 10 anos, no qual se propôs a experimentar diversos formatos, tamanhos, propostas, diálogos e pautas, apresentando uma proposta visual baseada em performances memoráveis e curadoria musical singular, com artistas locais e internacionais pouco óbvios. Conhecida como uma das pioneiras no diálogo sobre redução de danos, a festa propunha espaços seguros de diversão e de acolhimento para uma conversa franca sobre saúde mental e física.
Nesses 10 anos, a música eletrônica e a expressão artística vivenciada nesses rolês recuperaram um fôlego perdido das décadas passadas, mas com uma forte ideia de expansão de acesso para grupos não privilegiados. Com o tempo, muita coisa mudou, e as festas cresceram. Se antes, os coletivos de música eletrônica faziam acontecer com um propósito de mudar as dinâmicas pouco inclusivas da sociedade, o que vem a seguir após a ascendência desses projetos a lugares maiores?
BLUM, cujo nome é um cognato fictício da palavra “BLUME” (flor, em alemão), evoluiu para proporções expressivas, com festas chegando a cerca de 3.000 pessoas. E sua criadora reflete sobre o percurso até aqui, não só da festa, como da cena no geral:
“As festas começaram como movimentos, sem intenção de ganhar dinheiro. Foi uma resposta à crise, porque não existia uma democratização da música eletrônica. Ela estava nas mãos de pessoas heteronormativas e brancas. Eram muitos clubes, poucas festas. A cena também evoluiu muito por conta das políticas públicas da época, que davam apoio para a arte acontecer de forma livre. Empresários também começaram a investir nos rolês, proporcionando estruturas maiores. Mas hoje, festas de graça e em ocupações são raras. Os propósitos mudaram, as festas viraram empresas. Além da política mais conservadora e restrita atual da cidade de São Paulo”, conta Nikkatze.
Produzir rolês é mesmo uma tarefa complicada, por vezes árdua. Sem querer romantizar o passado, mas talvez existisse uma espontaneidade lá atrás que, devido a um contexto pós-pandemia, se perdeu. Nikkatze acrescenta: “A gente não se diverte mais. A cena está cada vez mais fechada, há poucas oportunidades para projetos menores surgirem, uma vez que festivais gigantes internacionais captam recursos que antes eram possíveis dedicar para a cultura local. Com isso, os clubes estão voltando a ter um papel indispensável no tempo presente, de novo. E que bom!”
Neste cenário, em que a cultura de música eletrônica parece ter atingido certa estagnação, qual o caminho ideal para trilhar em um futuro que proponha uma provocação ao status quo?
Nikkatze: “São Paulo está vivendo uma nova crise cultural. Mesmas festas, mesmos lineups. Uma ausência de identidade se instaurou, e é por isso que estou reavaliando a existência da BLUM e essa edição tem uma carga emocional bem grande para mim. Para essa celebração, vamos apresentar uma proposta mais experimental, criando por exemplo, um bar inspirado nos anos 20, com drinks bem feitos com especiarias e ervas, além de uma maior integração entre bartenders e público, quase como uma performance parte da festa.”
A curadoria musical da BLUM também ganha um foco interessante em seu aniversário: apresentar artistas renomados, como Arnaud Rebotini, para uma geração mais jovem. O objetivo é adicionar referências indispensáveis à bagagem cultural dessa galera. Além disso, Nikkatze, sem saber, realizou um desejo antigo de sua amiga e DJ Due, quem também integra o lineup: arquitetou um b2b com um de seus produtores favoritos, Renato Cohen.
A celebração ainda terá a performance da própria Nikkatze cantando, resgatando essa veia artística deixada de lado por um tempo. A cereja do bolo ficará com a apresentação babado de 120 minutos de Arnaud Rebotini, trazendo cerca de 13 sintetizadores, criando uma performance imperdível.
Espere um encontro de titãs se desenrolar diante de seus olhos.
O futuro não se prevê, se constrói
Articular sobre futuro é sempre uma grande polêmica. É mesmo possível prever o futuro em um cenário tão inconstante? Talvez, prever futuros seja um exercício distante da prática. Talvez, construir futuros, em gerúndio, conforme o presente ocorre, seja uma ideia mais condizente com a realidade.
Se anos atrás, o propósito era oferecer acesso, democratizar e revitalizar espaços não contemplados pela lógica social, talvez os caminhos apontem para a abertura de iniciativas mais estáveis em um contexto de insegurança. Ao que parece, não existe uma única trilha que una todos os coletivos de música eletrônica.
Nikkatze ainda não sabe como a BLUM se desenrolará nos próximos, mas tem a certeza de que ela não continuará a mesma. E isso se deve ao fato dessa sensação de parada ou incógnita. Uma fase se encerra com muitas incertezas. No entanto, a criadora do projeto está com uma forte vontade de partir para lugares e expressões que ela ainda não experienciou, não considerava anos atrás ou não colocava em ação, como cantar e lançar novas faixas autorais em um disco. Quem sabe até se deslocar para outras expressões artísticas e novos formatos… o futuro segue em construção.
A BLUM acontece neste sábado, 09/dezembro, a partir das 19h no Central 1926.
A comunidade EFUSÃO tem link desconto. Pegue o seu ingresso!
Até a próxima, coração efusivo!
É muito legal ver a Blum chegar até onde chegou, muito boa entrevista!
Vim aqui contar (acho que muita gente não sabe!) que a Trackers era na verdade o prédio todo e não só aquele andar. A ideia inicial do Rubens e do Niki (isso por volta de 2005-2006) era fazer com que a Trackers fosse um hub da música eletrônica em São Paulo, com escolas para DJs, escritórios dos selos, festas, etc. Não era a intenção inicial ter uma boate, só virou depois que fizemos uma festa do finado fórum do Rraurl. De uma certa maneira se tornou o hub que eles queriam, um que fomentou toda uma cena já que tantas festas, assim como a Blum, saíram de lá.
esse line da Blum tá obsceno de tão bom